Mal-estar urbano
Por Anna Beatriz Lisboa
A câmera parada e a fotografia em preto e branco revelam uma São Paulo melancólica e solitária em Obra, filme que estreia nesta quinta-feira. Em planos compostos com rigor, o diretor Gregório Graziosi encontra os vazios que se escondem por trás da fachada barulhenta da metrópole. “Conversando com você agora, estou olhando a vista do meu apartamento. Tem uma espécie de muro, 180 graus só de prédios, e eu não estou vendo pessoas, mas consigo escutá- las”, diz Graziosi, em entrevista ao Correio, por telefone. “O som de São Paulo acaba sendo tão violento quanto o visual.Você vivencia a cidade e a escuta vibrar, mesmo que não vejamovimento.” Em seu primeiro longa-metragem, o cineasta paulistano dirige Irandhir Santos no papel de um arquiteto que descobre um cemitério no campo de obras em um terreno de sua família. Júlio Andrade, a britânica Lola Peploe e Marku Ribas, em seu último papelnocinema,completam o elenco. O filme foi o único representante brasileiro no Festival de Toronto, no ano passado, e expande o estudo de espaços que Graziosi vinha fazendo em curtas como Monumento (2012) e Saba (2007), que circularam pelos festivais de Locarno e Cannes, respectivamente. Formado em artes plásticas, Graziosi seinspirou na relação entre personagem e espaços vazios representada por pintores como o americano Edward Hopper e o dinamarquêsVilhelm Hammershoi, além do trabalho do cineasta italiano Michelangelo Antonioni, que usava linguagem minimalista e apuroplásticopara tratardoisolamento e daincomunicabilidade de seus protagonistas em ambientes urbanos.“A partir do interesse por essesartistas,chegueiaessaestética doObra. É um filme que quase não temmovimentos de câmera e isso muda a percepção do tempo e dos espaços.Você tem uma contempla- ção da imagem diferente de quandoacâmera estásemexendo.”
Inspiração modernista
Essa São Paulo vazia de pessoas, quase abstrata em sua representação demoderna urbanidade, aproxima-se, de maneira inesperada, do espírito da capital federal. “O filme tem a ver com esseimaginário de Brasília: é como se fugisse da realidade para um universo quase de ficção científica, metafí- sico”, compara o diretor. A arquitetura de Oscar Niemeyer não só é inspiração para o diretor, mas aparece com protagonismo no filme: em um dos cartazes, a escadaria dos fundos do Edifício Copan forma a coluna vertebral do personagem de Irandhir Santos. O protagonista, aliás, chama-se João Carlos Ribeiro de Almeida Neto em homenagem a dois arquitetos importantes para o diretor: seu pai, que lhe empresta o primeiro nome, e Niemeyer, cujo sobrenome do meio é Ribeiro de Almeida.
Com diálogo pontual, o cineasta faz a narrativa nascer a partir das imagens, que estavam presentes antes mesmo das palavras do roteiro. “Eu desenho as cenas, então a relação entre narrativa e espaço é anterior à escrita, está na essência do trabalho. Fiquei surpreso, porque, relacionando as imagens finais e meus rascunhos feitos quase um ano antes, o resultado é muito parecido.” E o desenho foi uma linguagem comum encontrada entre Graziosi e Santos para desenvolver o protagonista que se refugia em silêncio. “Uma coisa interessante que aconteceu durante esse processo de criação entre ator e diretor é que nós dois estávamos desenhando: eu desenhava para enxergar as cenas, e ele para conseguir criar o personagem”, lembra. “Vimos que sempre carregávamos o caderninho – algo que normalmente os arquitetos fazem –, então trouxemos esse elemento para o protagonista, que esboça no caderno o que ele não consegue dizer ou encarar de frente.” Aos 31 anos, Graziosi prepara seu segundo projeto de longametragem –Tinnitus, escrito com Marco Dutra (diretor de Quando eu era vivo). O título faz referência ao zumbido que uma mergulhadora passa a escutar após sofrer um acidente. Assim como Obra, o longa enfoca a relação entre a cidade e o corpo, a partir de um ponto de vista pessoal, pontuado pelo terror psicológico. Esse recorte subjetivo vem sendo a marca da nova geração de diretores brasileiros da qual Graziosi faz parte. “Durante algum tempo, os artistas queriam falar das mazelas sociais e, dali, a coisa evoHistórias ocultas Monumento usa o som para revelar a história contada pelo Monumento à Bandeira, um dos símbolos da cidade de São Paulo; Saba é um retrato dos bisavós centenários do diretor a partir do espaço que ocupam, em um antigo edifício da capital paulista. luiu para a questão policial e do tráfico de drogas. Os novos realizadores estão abordando temas totalmente diferentes, trazendo narrativas e histórias particulares, ampliando um pouco o repertório do que o cinema brasileiro pode ter”, diz o diretor.
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